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Quinta, 15 de janeiro de 2004, 18h17 
São Paulo continua sendo o sonho de nordestinos
 
Fernanda Castello Branco
 
Rogério Lorenzoni/Terra
Edilson Batista Ferreira, 28, veio de São João do Rio do Peixe (PB)
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A geografia pode acusar erro na afirmação, mas São Paulo poderia ser, mesmo que simbolicamente, a capital do Nordeste. Das 10.508.218 pessoas que vivem na capital paulista, 2.047.168 nasceram no Nordeste, de acordo com o último Censo do IBGE, datado de 2000. Esse número representa 19,62% da população.

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Do sonho de vencer na "cidade grande" a uma simples curiosidade, cada um tem o seu motivo para vir parar em São Paulo. "No caso da Medicina, a cidade é quase uma parada obrigatória", afirma o médico Luís Alfredo Lopes Soares Filho, 25 anos, que chegou há nove meses, vindo de São Luís, capital do Maranhão. "Já entrei no curso sabendo que passaria por aqui."

Há quem tenha vindo também para estudar e fez de São Paulo a sua casa. É o caso do professor universitário Valmir Carvalho, de 55 anos. Morando na cidade há 38 anos, ele tem três filhos paulistanos e não pensa em voltar para a sua cidade, Palmas do Monte Alto, na Bahia. "Tenho um sonho de passar os 50 últimos anos da minha vida em uma fazenda, mas pode ser até perto de São Paulo Paulo. Quem se acostuma a viver em um grande certo urbano tem que saber que está perto de onde tem tudo", conta.

Essa característica, aliás, é muito apontada pelos nordestinos que escolheram a cidade para viver: São Paulo tem de tudo. "Tem coisa que só tem aqui", afirma Luís Alfredo. "Aqui as coisas nascem. Os livros que a gente lê nasceram aqui."

A idade com que a pessoa se muda para a capital paulista influencia muito a relação que tem com ela. O editor de vídeo Ricardo Irineu tem 31 anos, nasceu em Fortaleza, Ceará, mas se mudou desde os 13. O que no começo foi "punk", segundo palavras do próprio Ricardo, por causa da mudança de escola e de amigos, hoje se reverteu. "Se eu voltasse para lá, não iria mais me achar", explica. "São Paulo é a minha casa. Não me vejo mais morando em outro lugar. O acesso a tudo é mais fácil aqui."

O acesso "a tudo" faz com que algumas pessoas decidam se mudar apenas por curiosidade. É o caso do camelô Januário Andrade da Silva, 38 anos, há 20 morando em São Paulo. "Vim por curiosidade e para tentar trabalhar. Depois eu gostei e fiquei", conta o cearense de Novas Russas. Januário gostou tanto, que hoje considera que mora "na melhor cidade do Brasil". Sobre a agitação constante, ele argumenta: "É lógico que é agitada. Mas é porque tem mais gente, né?".

Nordestinos famosos
Se até um tempo atrás o caminho obrigatório para consolidar uma carreira artística era o Rio de Janeiro, hoje as coisas mudaram um pouco. "Os músicos que a gente admira - Jackson do Pandeiro, Lenine, Alceu Valença - foram para o Rio. Mas agora os melhores estúdios estão sendo construídos em São Paulo e o Rio não concentra mais todos os rádios e televisões", explica Lirinha, vocalista do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, em entrevista exclusiva ao Portal Terra.

Entre idas e vindas, Lirinha, nascido e criado em Arcoverde, está em São Paulo há cerca de quatro anos e hoje sente que tem "uma relação de amor com a cidade". "É uma relação de amor, com toda a dialética que isso implica", diz. "Mas tenho muito orgulho de João, meu filho, ser de São Paulo. Isso chega a ser chocante para algumas pessoas, porque muita gente tem uma atitude de repúdio pela cidade. São muitas pessoas reclamando e, ao mesmo tempo, precisando da cidade."

Para o ator cearense Gero Camilo, que mora em São Paulo há dez anos, a mudança de ares não teve nenhuma ligação com o que ele define como "o sonho do retirante". "Vinha sempre, porque meus avós moravam aqui. Uma vez, vim fazer um curso de Teologia, de duas semanas, e resolvi fazer o vestibular da EAD (Escola de Arte Dramática). Passei e voltei para pegar minhas coisas em Fortaleza, mas nunca tive aquela mentalidade dos que vêm para vencer na vida", afirma, em entrevista ao Terra.

Uma década depois, a correria da cidade ainda incomoda Gero Camilo. "Às vezes, eu penso ´o que eu tô fazendo aqui?´, mas ao mesmo tempo é difícil pensar em sair. São Paulo me deu muitos presentes. Ela é um centro de trocas para quem faz teatro."

Já que recebeu presentes, Gero retribui à altura. Em março, o ator estréia o espetáculo Aldeota, no Sesc Belenzinho, além de reestrear As Bastianas e A Procissão, no Teatro Oficina, a convite da Prefeitura, a fim de integrar a programação em homenagem aos 450 anos de São Paulo. "Tô cheio de projetos para a cidade e com a cidade", define.

Entre os projetos para a cidade, ganham cada vez mais destaque na vida e na carreira de Gero Camilo as tentativas de transformar espaços que não são aproveitados em espaços de arte. "O que me faz permanecer é perceber que a minha arte colabora para que São Paulo recupere a humanidade", afirma. O ator também planeja mais uma lavagem da avenida Paulista, com o grupo Hienas em Ação de Graça, que promoveu o evento em 2000 e 2002. Ele também vai estar à frente de um show em homenagem à cidade, no dia 6 de março, no Teatro de Arena, com os cantores Kléber Albuquerque, Rubi, Ceumar e Tata Fernandes.

Sem ilusões
Enquanto alguns vêm para estudar e outros para conquistar a fama, há aqueles que não têm mais tantas ilusões. O mestre-de-obras Francisco Nilson Sousa, 52 anos, migrou há 30. Desempregado, ele vive atualmente uma relação estremecida com a capital. "Não tenho mais por que gostar daqui", afirma. "Você sai de casa e não sabe se volta. Emprego não tem mais, só para empregada doméstica. Quando eu cheguei, a gente escolhia onde iria trabalhar."

Para o camelô José Nilton, 44 anos, é exatamente o trabalho o que ainda o prende à cidade. Avesso à vida agitada, e a toda "a zoada e confusão", ele planeja voltar para Conceição do Piancó, na Paraíba, onde foi criado, daqui a 10 anos, aproximadamente. "Meus filhos não têm vontade de voltar, porque vieram para cá pequenos", explica.

Uns pensam em voltar deixando os filhos. Outros vieram por causa dos pais. É o caso da empregada doméstica Neuza Sousa, de 51 anos, nascida em Iambupe, Bahia. "Primeiro veio a minha mãe. Eu só vim por causa dela", conta. "Foi meu destino, mas eu nunca tinha pensado em vir."

Mesmo sem nunca ter planejado a mudança, hoje Neuza não pensa em voltar e afirma que só sai de São Paulo "quando Jesus chamar". O amor pela cidade grande, no entanto, não significa que ela tenha esquecido suas raízes. Apesar de não visitar a terra natal há 22 anos, Neuza conta que lembra de tudo. "Até os pés de árvore de lá eu conto", brinca. Mãe de três filhos paulistas, a única coisa que ela não gosta em São Paulo é a violência. "Não durmo enquanto meus filhos não chegam em casa."

Preconceito
Ao contrário do que possa parecer, muita gente afirma nunca ter sofrido preconceito. Ou não ter percebido. "Eu me sinto muito bem aqui. Nunca senti nenhum tipo de preconceito", garante o ambulante José Nilton, vindo da Paraíba.

O médico Luís Alfredo Filho se considera "um transeunte pacato" e afirma que não tem do que reclamar. "Convivo muito com os paulistas no trabalho e eles se misturam mesmo", diz. "Antes de vir do Maranhão, me alertaram muito sobre o preconceito, mas eu nunca senti, nem de leve."

O paraibano Edilson Batista Ferreira, de 28 anos, ao contrário, conta que já sentiu que foi vítima de preconceito. Vendedor de sandálias de couro nas imediações da rua Teodoro Sampaio, zona oeste de São Paulo, Edilson conta que já tentaram "corrigir" o seu sotaque. "Eu notei, mas nem liguei", afirma.

Forró toda semana
A comunidade nordestina não tem do que reclamar em São Paulo. Idealizado há 14 anos pelo casal paulista José e Cristina de Abreu, o Centro de Tradições Nordestinas, localizado no bairro do Limão, zona norte da capital, oferece uma programação semanal com shows de forró e buffet de comidas típicas.

Com entrada franca (paga-se apenas o que for consumido), o CTN, como é conhecido, tem público eclético e funciona de terça a domingo, oferecendo almoço. Às sextas, sábados e domingos a casa também oferece shows de forró.

A fidelidade do público é grande e o Centro chega a receber, em média, 30 mil pessoas por semana.

Um maior número de opções de lazer também atrai os nordestinos. O paraibano Edilson Batista Ferreira mora há 5 na cidade e diz que se mudou porque "o padrão de vida é melhor". "O que mais gosto é que aqui eu posso trabalhar e também passear."
 

Redação Terra